Para ministro, tribunal ignorou decisão do STF que considerou lícita formas de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas
Atualizado em 30/03/2023 às 10:45 - JOTA
Ministro Alexandre de Moraes participa da sessão extraordinária do STF / Crédito: Carlos Moura / SCO / STF
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou, no último dia 14 de março, uma decisão da Justiça do Trabalho que havia invalidado um contrato de franquia e reconhecido o vínculo de emprego entre uma mulher e uma clínica de odontologia. Para Moraes, a decisão contrariou precedentes da Corte.
O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), que apreciou o caso concreto, constatou a presença de elementos que caracterizam a relação de emprego regida pela CLT e entendeu que “a prova dos autos evidencia a prática fraudulenta adotada pela ré na contratação de pessoal”.
Segundo a desembargadora relatora, a mulher exercia a função de cirurgiã dentista, “com habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação para a reclamada, estando vinculada à clínica odontológica”, bem como “não efetuava o pagamento de royalties à reclamada, o que descaracteriza o contrato de franquia”.
A matéria chegou ao STF via reclamação, cujo objetivo é garantir a competência da Corte e autoridade de suas decisões. A empresa, que protocolou a ação, afirmou que a Justiça do Trabalho considerou apenas os serviços executados à luz de sua atividade-fim, sem que houvesse prova de vício de consentimento.
O posicionamento, argumentou o escritório de odontologia, contraria precedentes da Corte (na ADPF 324, ADC 48, ADI 5.625 e RE 958.252) e desrespeita entendimento vinculante de que não há sobreposição de determinada forma de trabalho em detrimento de outras.
O ministro Alexandre de Moraes concordou com a empresa. Ele considerou que o TRT1 não levou em consideração o entendimento do STF quanto à constitucionalidade das relações de trabalho diversas da de emprego regida pela CLT.
No julgamento do RE 958.252, a Corte reconheceu a possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidos por agentes econômicos. A tese tem a seguinte redação: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
A interpretação conjunta dos precedentes, segundo Moraes, “permite o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego regida pela CLT, como na própria terceirização ou em casos específicos, como a previsão da natureza civil da relação decorrente de contratos firmados nos termos da Lei 11.442/2007 (ADC 48 e ADI 3.961), ou a previsão da natureza civil para contratos de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei 13.352/2016”.
“Transferindo-se as conclusões da Corte para o contrato de franquia empresarial, tem-se a mesma lógica para se autorizar a constituição de vínculos distintos da relação de emprego, legitimando-se a escolha pela organização de suas atividades por implantação de franquia,” frisou o ministro.
“Ao considerar ilícita a contratação de franqueado fundado tão somente pela modificação da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT, com vistas ao princípio da primazia da realidade,” disse Moraes, a decisão do TRT1 “desconsidera as conclusões do Supremo Tribunal Federal”.
Para o advogado Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados e que atuou na causa, a decisão reflete a tendência do STF em admitir outras formas de relação de trabalho em harmonia com a clássica relação de emprego, de forma independente e harmônica, sem conflitos entre elas e dentro do que prevê o ordenamento jurídico brasileiro. “O grande diferencial desta decisão é que o ministro Alexandre de Moraes em vez de determinar a remessa dos autos à origem para novo julgamento, julgou improcedente a ação. Outra novidade deste caso é que o contrato anulado pela Justiça do Trabalho era de franquia, que não pode ser considerado fraudulento, pois trata-se de um modo de organização do trabalho lícito.”
Na visão de Andrea Massei, sócia do Machado Meyer, a decisão é relevante porque reforça aquilo que já havia sido declarado pelo Supremo em outras ocasiões e reconhece que há várias formas de trabalho.
“O contrato de emprego não é a única forma de se estabelecer uma relação de trabalho. Não existe só empregado-empregador. Existem outras formas de se estabelecer uma vinculação que não necessariamente geram vínculo empregatício.”
Já Alexandre Fragoso Silvestre, sócio do Briganti Advogados, disse não haver dúvidas de que outras formas de trabalho são permitidas, mas, “quando se está diante de uma fraude trabalhista, diante dos requisitos do contrato de trabalho, há, sim, desrespeito à Constituição Federal”, ponderou.
Para o advogado, o ministro tomou a decisão sem considerar as premissas fáticas do caso. “Se você voltar os olhos para o acórdão do TRT1, você vai ver que nem houve pagamento de royalties. Que franquia é essa que não tem pagamento de royalties?”, questionou.
De acordo com Nelson Mannrich, professor da USP e advogado-sócio de Mannrich e Vasconcelos, a decisão está alinhada com o entendimento de que a Constituição não permite ao Estado, nem mesmo ao Judiciário trabalhista, impor o modelo de organização que as empresas devem adotar.
“A Justiça do Trabalho, em muitas decisões, insiste em impor que todos trabalhem no regime da CLT, quando há outras formas lícitas de trabalho, como o regido pela Lei de Franquia,” criticou.
“Essa decisão do ministro Alexandre de Moraes alerta para a importância do princípio da boa-fé contratual, não se admitindo que o empregado se beneficie de um regime fiscal que lhe seja mais favorável enquanto perdurar o contrato de natureza civil e que depois venha a alegar fraude para se beneficiar do regime da CLT.”
A decisão foi tomada na RCL 57954.
ARTHUR GUIMARÃES
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