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Como as importações por e-commerce são tributadas ao redor do mundo

Brasil se aproxima da prática internacional com isenção parcial a compras até US$ 50. Porém, alíquota nacional permanece mais elevada

Por Jota | 31/07/2023 15:01

Foto: Unsplash


Após uma tensão em torno das regras de tributação para remessas vindas do exterior, que impactam o consumidor do comércio eletrônico, o Brasil terá um novo modelo de isenção parcial para compras de até US$ 50 – o que aproxima o país da prática internacional. Por outro lado, o Brasil ainda mantém uma alíquota para operações acima desse valor muito superior às de outras economias.

De modo geral, compras internacionais feitas por pessoas físicas no Brasil estão sujeitas a uma alíquota de 60% do valor da mercadoria, conforme o Regime de Tributação Simplificada (RTS), somado ao ICMS de 17%.

Assim, na prática, o consumidor pode ser responsável por pagar, diretamente, 92% do valor da compra em impostos – isso acontece porque um tributo é aplicado sobre o outro.

Para se ter ideia da diferença, na União Europeia, que também vive uma reformulação no sistema, a tributação não deve passar de 30% em todas as compras. Já nos vizinhos Argentina, Colômbia e Peru, a soma de impostos para remessas geralmente não chega a 55%. Essas regiões têm isenção de impostos de importação para compras de baixo valor – que podem chegar a US$ 200. Nesses casos, a alíquota máxima fica em 21%.

A novidade no Brasil é que as compras de até US$ 50 no e-commerce cross-border – como é chamada a compra e venda online entre diferentes países por meio de plataformas – poderão ter isenção dos tributos federais, como prevê o programa federal Remessa Conforme, que entra em vigor nesta terça-feira (1/8). Nesse caso, o consumidor ainda terá que pagar o ICMS de 17%, recolhido pelos estados.

Para as compras acima desse valor (aqui, incluídos o valor do produto e do frete), mesmo nas plataformas certificadas, entretanto, mantém-se a aplicação integral da alíquota de 92%. Até então, a isenção no Brasil para encomendas internacionais valia para pacotes de até US$ 50 desde que transportados pelos Correios e remetidos de uma pessoa física para outra.

A nova isenção dos tributos federais incidirá apenas nas compras de plataformas participantes do programa Remessa Conforme, que em contrapartida deverão atuar mais ativamente para dar transparência sobre as encomendas.

O formato chega após um intenso debate sobre como tratar o aumento exponencial, visto nos últimos anos, de mercadorias de pequeno valor importadas via e-commerce – cenário semelhante ao observado em outros países, que se intensificou na pandemia de Covid-19.


Brasil mais próximo de modelo global


A alternativa encontrada pelo governo brasileiro reúne elementos observados em outros países. É o caso do de minimis, como é chamada a faixa de isenção aplicada para remessas de pequeno valor. O Brasil era um caso particular onde o de minimis abrangia apenas as encomendas remetidas de uma pessoa física à outra em diferentes países.

Com a possibilidade de isenção do RTS (os 60%) para compras em plataformas certificadas no Programa Remessa Conforme, o que se convencionou a chamar de venda Business to Consumer (B2C), o país se aproxima do que é observado em outros mercados, ao mesmo tempo em que incentiva maior participação dos marketplaces na transparência das remessas.

Para a Organização Mundial do Comércio (OMC), o de minimis é uma forma de agilizar o tempo de desembaraço aduaneiro e priorizar cargas de maior risco ou relevância econômica.

Países como Estados Unidos, China, México, Canadá, Argentina, Chile, Colômbia e Peru possuem regras de minimis B2C (ou seja, de empresas para o consumidor final). A faixa de isenção, no entanto, varia de país para país.

Além disso, essa isenção tributária mais frequentemente se restringe ao imposto de importação (ou direito aduaneiro), enquanto em alguns casos dá desconto também no tributo sobre o consumo (o IVA, na maior parte dos países). Quando não há esse benefício, o consumidor recolhe o tributo diretamente – diferentemente de outras tributações pelas quais ele não é imediatamente responsável pelo recolhimento.

No Brasil, até recentemente, as remessas até US$ 50 entre pessoas físicas também tinham isenção de ICMS, tributado sobre o consumo. No fim de junho, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) formalizou convênio para unificar a alíquota do ICMS incidente sobre remessas vindas do exterior em 17%, a fim de facilitar a cobrança do tributo.

“O crescimento vertiginoso do comércio eletrônico com os marketplaces asiáticos virou um desafio para as aduanas. Até este momento, todos os estudos em prol da facilitação do comércio internacional apontavam o de minimis como uma ferramenta adequada”, afirma Fernanda Kotzias, especialista em Direito Aduaneiro e conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).


De minimis e tributação pelo mundo


A Global Express Association monitora a tributação de pequenas remessas em diferentes países. Segundo a organização, 87 países implementam algum modelo de de minimis.

Os Estados Unidos são um dos países que possuem o maior valor de de minimis: a isenção vale para mercadorias de até US$ 800 dólares; porém, cada estado define o imposto sobre vendas. No país, os direitos alfandegários para bens que excedem esse valor são baseados na classificação sob a Tabela Tarifária Harmonizada (HTS) americana.

A União Europeia tem, atualmente, de minimis para compras de até 150 euros, com isenção para os direitos aduaneiros, mas o IVA ainda se aplica com alíquotas diferentes em cada um dos países do bloco – entenda mais sobre a situação europeia na última parte do texto.

Peru e Colômbia têm de minimis de US$ 200 dólares.

No Peru, a isenção vale para tanto para taxas aduaneiras quanto para o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). No país, o imposto de importação é o direito aduaneiro ad valorem (0%, 4%, 6% ou 11%); também se cobra o IVA de 16% e o imposto de promoção municipal de 2%.

Na Colômbia, o benefício alfandegário vale para remessas pessoais ou comerciais enviadas de qualquer país. Porém, apenas envios pessoais partindo dos Estados Unidos têm direito à isenção do IVA. A alfândega colombiana define remessas pessoais como aquelas com seis ou menos unidades da mesma classe de produto. No país, os direitos aduaneiros variam de 0 a 20%; além disso, há IVA de 19%.

Brasil, Argentina e México dão isenção de direitos aduaneiros para mercadorias de até US$ 50.

Na Argentina, a isenção vale para até 12 remessas por ano a cada consumidor enviadas pelo serviço postal. Assim, para essas encomendas aplica-se somente o IVA de 21%. Para bens acima de U$ 50, os direitos de importação variam de 0 a 35%, somando-se ao IVA, chega-se a uma alíquota máxima de 54%.

Já no México remessas abaixo de US$ 50 estão isentas de impostos de importação, independentemente do país de origem. As encomendas enviadas dos Estados Unidos e do Canadá por correio contam com o benefício de até US$ 119.

Os direitos gerais de importação no México variam de 0 a 35% (mas geralmente ficam entre 3 a 20% para a maior parte dos produtos). Compras dentro do valor do de minimis também devem o IVA de 16%.

Com valores mais baixos de isenção, há o Canadá, que fixa o de minimis para produtos de até 20 dólares canadenses (cerca de US$ 15). Entretanto, para remessas vindas dos Estados Unidos e do México, integrantes do USMCA, o de minimis é de 150 dólares canadenses (cerca de US$ 113). Para o IVA, a isenção vale para compras online dentro do USMCA de até 40 dólares canadenses (cerca de 30 dólares americanos).

No Chile, a isenção para taxas de alfândega e IVA é voltada para mercadorias transportadas pelo correio, com valor de até US$ 41 – anteriormente, o de minimis era de US$ 30, mas houve um reajuste para dar conta da inflação, tipo de adequação que é esperada para o mecanismo. Os direitos alfandegários geralmente são de 6% quando não cobertos por um tratado de livre comércio. Também há IVA de 19%.

Na China, o de minimis é de 50 yuans (o equivalente a cerca de US$ 7), mas ele se refere ao valor em tributos, e não ao preço da mercadoria.

Contudo, há uma isenção a compras de até 500 yuans (ou US$ 700) feitas em plataformas de comércio eletrônico certificadas; ao ano, existe um valor máximo por pessoa para compras em e-commerces estrangeiros com direito à isenção.

Existe na China a incidência do IVA de 13%, 9% e 6%, dependendo da mercadoria.

União Europeia discute de minimis


Não é só no Brasil que os direitos aduaneiros e o de minimis passaram a ser discutidos após a explosão do comércio eletrônico. A União Europeia (UE) apresentou, em maio, propostas para a reforma mais ambiciosa da sua União Aduaneira desde a criação do bloco, em 1968.

Elas foram submetidas pela Comissão Europeia, e ainda precisam ser analisadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia antes de haver uma definição.

“Dentro da União Europeia, os Países Baixos, que têm aduanas muito modernas, vêm alegando há algum tempo que as alfândegas não estão dando conta de fiscalizar adequadamente a quantidade de importações feitas por pessoas físicas. E é nessa linha que a reforma aduaneira da UE está indo”, afirma a advogada Kotzias.

Segundo o texto atual, acabaria o atual de minimis para importação de mercadorias de até 150 euros, com a incidência do direito aduaneiro com alíquotas entre 4% e 12% – além do VAT, que atualmente já incide sobre todas as remessas. Somados, os tributos ficariam em torno de 28% na maior parte do bloco.

Em relação a esse ponto, a proposta de reforma aduaneira da União Europeia colocaria o bloco europeu em um seleto grupo de países sem uma faixa de isenção para a cobrança de tributos aduaneiros, o de minimis.

Isso poderia frear o crescimento do e-commerce e impactar consumidores mundo afora. Contudo, mesmo que a medida seja aprovada, as principais mudanças começariam a acontecer a partir de 2028.

Especialistas apontam ainda que a medida pode prejudicar a entrada na União Europeia de produtos de pequeno valor exportados por empresas de fora do bloco, inclusive do Brasil.

“Exportadores de produtos de pequeno valor terão seus produtos mais caros. Isso pode impactar em todos os países que tenham negócios com a Europa”, explica Juan Manuel Calonge Mendez, sócio do escritório VNP Advogados.

“Ao mesmo tempo, países exportadores para a União Europeia podem enxergar o Brasil e outros países como mais vantajosos e mais baratos para exportação de seus produtos”, adiciona Mendez.


Tributação e desigualdade


A possibilidade de outros países seguirem o modelo europeu, caso ele se confirme, também precisaria ser visto com cautela. “A União Europeia é um bloco, então, mesmo fechando o de minimis para outros mercados, ainda tem bastante espaço para oferta e demanda. O caso do Brasil é diferente e, por isso, precisamos ponderar antes de apenas querer copiar o modelo europeu”, diz a advogada Fernanda Kotzias.

Ainda que o de minimis seja extinto na União Europeia, a alíquota não seria tão superior quanto a praticada no Brasil. No bloco, uma compra de US$ 100 sem a atual cobertura de isenção parcial, sairia por cerca de US$ 130. No Brasil, mantendo o de minimis na política atual, essa encomenda custaria US$ 192.

Em abril, o governo brasileiro também chegou a anunciar o fim do de minimis como forma de combater a sonegação, na tentativa de sanar as limitações da fiscalização para lidar com o atual volume de pacotes que chegam. Essa intenção, que despertou forte repercussão negativa, foi substituída pelo Remessa Conforme.

“Se o de minimis é eliminado, dois tipos de cidadão são tratados de forma ainda mais desigual. Hoje, aquele que viaja para fora do país tem uma isenção de compras até US$ 1 mil quando regressa ao território nacional; já aquele que não consegue viajar, mas também quer ter acesso a produtos estrangeiros, está limitado a uma isenção de US$ 50, e, de modo geral, somente se a mercadoria vier de pessoa física”, compara Jean Paolo Simei e Silva, sócio do Fonseca Brasil Advogados e professor de Direito Tributário.

Desse modo, a alta desigualdade de renda existente no Brasil é também um fator que distancia o cenário nacional do europeu. Por lá, com a soma de um imposto j,a todas as remessas, além do IVA, a alíquota chegaria a cerca de 30%, menos da metade do que é praticado no Brasil fora do Remessa Conforme.

Além disso, pela proposta do programa federal, na prática o de minimis brasileiro não se aplicaria a todas as compras, mas apenas às feitas por meio de plataformas participantes – aplicação que torna o de minimis brasileiro mais comedido. E, como faz parte da política que essas empresas deem mais transparência sobre as operações, se espera que as tentativas de burlar a norma sejam neutralizadas.

ESTÚDIO JOTA

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