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Susep pretende elevar concorrência no mercado e ajudar startups com crédito

Superintendente da autarquia detalha agenda regulatória para o setor de seguros e avalia riscos no Marco Legal das Garantias

JOTA | 05/07/2023 07:00

Alessandro Octaviani, superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep) / Crédito:


Alessandro Octaviani assumiu o comando da Superintendência de Seguros Privados (Susep) em março. Mas o advogado, com mestrado em Ciência Política e doutorado em Direito Econômico e Financeiro, ficou quase três meses sem conseguir compor o colegiado de cinco integrantes na diretoria da autarquia responsável por fiscalizar um setor que, em 2022, movimentou R$ 355,9 bilhões em arrecadação e R$ 219,4 bilhões em pagamento de indenizações, benefícios, resgates e sorteios. Ele diz, em entrevista ao JOTA, que as nomeações, que passam pelo aval do Ministério da Fazenda e da Casa Civil, envolvem “uma decisão do poder político”. Octaviani afirma, contudo, que com dois diretores já nomeados há maioria para “fazer o órgão funcionar”.

Ele lista, agora, as metas da agenda regulatória da Susep. Como ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Octaviani mira na pulverização dos competidores do mercado segurador. Pretende buscar rotas de financiamento no BNDES e Banco do Brasil para insurtechs (startups), alvo do programa Sandbox. “Um dos papéis da Susep é fomentar o mercado e, para isso, temos que fomentar a concorrência”, afirma.

Reconhece a necessidade de melhorar a implementação do Open Insurance, projeto similar ao Open Banking, que vai permitir o compartilhamento de dados e promete facilitar a vida do consumidor na hora contratar seguros. O projeto está atrasado e tem sido alvo de críticas das seguradoras, que reclamaram do prazo curto para aderir à segunda fase do programa.

Octaviani avalia, ainda, que o uso de apólices para empréstimos previsto no Marco Legal das Garantias, proposto pelo ministro Fernando Haddad, precisa ser acompanhado de métricas de risco para não repetirmos a crise do subprime dos EUA (2008).


Quais os principais temas da sua gestão?

Temos um grande eixo, previsto no decreto lei 73/1966 e na Constituição. A Susep tem de fazer o setor de seguros atuar para o desenvolvimento nacional. O primeiro eixo é a política de neoindustrialização. O segundo é a política de infraestrutura. Em terceiro, é a política de acesso a bens — o acesso ao seguro, nesse caso. O quarto eixo é a transição ecológica. O quinto eixo é a digitalização da economia, o cyber risk. Esses eixos são grandes desafios, mas grandes oportunidades para a economia brasileira. Para cada um desses desafios e oportunidades, o seguro é muito importante.

O que seria atuar no eixo da industrialização?

Nos últimos 40 anos, pode-se afirmar que o desempenho da indústria brasileira foi intermitente. Não foi o eixo robusto como gostaríamos. Há períodos que avançou um pouquinho, há período que não avançou. O fato é que o mundo avançou demais na capacidade de produzir novos produtos. Os Estados Unidos, por exemplo, com a internet e a biotecnologia. O mundo funciona com fundamento em quem produz maior complexidade econômica. A atual política brasileira é chamada de neoindustrialização. É organizada pelo secretário Wallace [Moreira, do MDIC], especialista na área, professor da mais alta qualificação. Essa política organiza sete missões, como a descarbonização e a digitalização. O seguro é importante para cada uma dessas missões. Vou dar dois exemplos. Imagina só organizar a recomposição do tecido industrial de Defesa, por exemplo, para ter novas plantas industriais e testar novos materiais. É impossível fazer esses testes sem risco industrial. Esse novo risco demanda um segurador. Então, o seguro é um pedaço de suporte da industrialização. Temos que chamar os atores para conversar e identificar as novas oportunidades. É para isso que a Susep é um ponto de apoio.


A sua gestão, então, mais do que regular quer estimular a entrada em novas áreas?

Classicamente, a autoridade administrativa exerce poder de polícia. Está ali para proibir. A Susep não abdica de proibir o que tem que ser proibido. O Estado continua exercendo o poder de polícia e ninguém vai lesar o consumidor e bagunçar a reserva técnica sem que a superintendência se posicione. O poder de polícia é o que traz confiança para o consumidor. Sem abdicar disso, a Susep trouxe para si nos últimos anos um papel de impulsionador do mercado.


Mas o agronegócio, apesar do impacto das mudanças climáticas, ainda usa pouco seguro…

Posso te assegurar que essa é uma prioridade estratégica, porque o Brasil já é o principal produtor do mundo em diversos eixos da economia agrícola. Ao mesmo tempo, temos o desafio da segurança, da soberania econômica alimentar. O Brasil tem simultaneamente uma grande capacidade exportadora e a necessidade de abastecimento do mercado interno. Qualquer país do mundo tomaria isso como enorme patrimônio. O seguro é essencial para essa cadeia produtiva. Temos o seguro agrícola tradicionalmente tal qual já foi prestado, mas temos que ser capazes de identificar as objeções ao crescimento deste produto. E [entender] como a gente é capaz de fornecer uma estrutura regulatória que traga mais confiança na contratação. Quem vai ganhar é o produtor e, no fim, o consumidor que vai comprar comida melhor e mais barata.

No âmbito da digitalização, há o desafio da segurança cibernética para diversos setores como energia e criptoativos, etc. Há iniciativas nesse sentido?

Estamos migrando para uma nova forma de produção e circulação da riqueza, que é a riqueza digital, quer nos criptoativos, quer em como fazer esses criptoativos circularem. Isso imediatamente gera risco na própria produção lícita desses criptoativos. Aliás, as criptomoedas, blockchain, etc., têm uma origem lá no passado no caso das silk road, que era uma tentativa de criar um ambiente totalmente protegido para o tráfico ilícito de drogas. A economia digital e o comportamento ilícito são faces da mesma moeda. Temos que ser capazes de lidar com esses riscos e não fingir que eles não existem.


Como os seguros entram nessa proteção?

O risco digital tem pelo menos três escalas. O risco digital individual, você e eu que podemos ser predados amanhã, por exemplo, ao abrir a nossa conta no banco e falar ‘cadê os meus reais arduamente ganhos?’. Tem o risco de as empresas que se aventuram a ter criptoativos ter a sua operação diária digitalizada ou informatizada e ser predada. Na terceira ponta, há um risco para a soberania nacional. É o risco de nós termos nossas infraestruturas atacadas. E aí o seguro é muito relevante. Não só garante que você seja indenizado, mas assegura que você gerencie melhor a sua vida antes de o risco ocorrer.


Há uma questão de educação de mercado nesse sentido…

As seguradoras podem ser propagadoras de boas práticas de gestão do risco cibernético. Veja só onde a gente pode chegar na educação e na boa gestão dessa nova economia. Para você ofertar um risco cibernético para a seguradora, ela vai te falar: ‘Você tem que cumprir tal requisito de segurança, tem que instalar tal programa. A gente pode ser ofertante de A, B ou C, mas você tem que cuidar disso aqui’. A seguradora vai falar a mesma coisa para as empresas: ‘Você vai lidar com criptomoeda, então vai ter uma infraestrutura que passe pelos nossos critérios de segurança, ou o seu risco fica insegurável’. Quando a seguradora fala isso, ela educa a sociedade a gerenciar esse risco. É uma nova oportunidade de mercado e a Susep tem que ser capaz de impulsionar isso.


O que será feito para estruturar novos produtos securitários?

Creio que a abertura de uma arena de negociação para identificação das objeções é uma das medidas que vamos tomar, com a organização de pequenas câmaras de diálogo para juntar o consumidor e o ofertante do seguro. E redesenhar os produtos e a sua regulação. Só isso já vai ser um impulso para que este mercado funcione ou avance.


Pode citar exemplos?

O exemplo é o Sandbox [programa de estímulo ao surgimento de startups de seguros, as Insurtechs], cujo objetivo final é criar novos competidores. É uma política econômica da mais alta relevância, porque cria novos competidores e, assim, novos consumidores.


Qual papel do Sandbox e do Open Insurance, que é o Open Bank dos seguros?

Quando o Sandbox olha para as novas empresas, ele privilegia as que já sejam modeladas na nova economia. Por isso, quando abrimos o Sandbox, houve um peso tão alto para que elas entrassem no programa Open Insurance, porque ele é inteiro na economia digital. Na verdade, o que estamos fazendo é criar empresas cujo o DNA seja a própria economia digital.


Isso explica o surgimento insurtechs oferecendo seguros para nichos, como celular, entregadores, etc?

O Sandbox atraiu e incentivou empresas com esse perfil, capazes de identificar nichos de mercado que não estavam sendo atendidos [por seguradoras tradicionais]. Tem seguradora que se especializou regionalmente, com capacidade de desenvolver uma alta tecnologia algorítmica para dividir por microrregiões, o que torna o risco muito mais calculado e rápido. Tem empresas que fizeram a sua segmentação por renda, que olharam e falaram ‘nosso público alvo inicial são aqueles que sequer são atendidos pelo INSS’. Para ofertar e para ser capaz de segmentar mercados nesse grau de especificação, elas têm que ser dotadas de uma base tecnológica muito sólida. Estamos falando de empresas que serão capazes de escalar a complexidade dos riscos oferecidos até adquirir a capacidade de gerenciar novos outros riscos. Essa é a característica geral do Sandbox, que é impulsionar empresas de base tecnológica capazes de migrar de um pólo a outro e ser grandes ativos do mercado brasileiro como um todo.


A Susep vai ajudar essas startups a encontrar rotas de financiamento?

Esse será um dos eixos de correção ou de incremento do próximo momento do Sandbox. Vamos buscar dialogar com os entes financiadores e entender os caminhos de crédito para que essas empresas tenham uma chegada mais fácil nesse período, que é um pedaço do vale da morte de cada startup. Chega um momento que ela precisa de financiamento e é papel do ente incubador olhar para os financiadores e falar: ‘Olha, posso te assegurar que esta empresa cumpre tal ou qual requisito de qualidade’. Inclusive, esclarecer que entendemos a trajetória de médio e longo prazo dessas empresas, de maneira que ele possa compreender isso para ser um financiador com mais capacidade de ver onde vai adquirir valor nesse negócio no futuro. Isso é importante para o financiador ficar mais tranquilo com o curto prazo, porque via de regra ele busca muitas garantias e a proteção do seu financiamento no curto prazo. A Susep é capaz de ser um parceiro dessas empresas. Não tenho dúvida de que daqui a dez, 15 anos, a gente vai olhar para parte dessas empresas e elas vão figurar entre as grandes companhias do mercado segurador brasileiro.


A Câmara aprovou e tramita no Senado o PL 2250/2023, do Ministério da Fazenda, permitindo usar apólices de seguro como garantia para obtenção de crédito. Qual avaliação da Susep?

O chamado PL de Garantias pega um ativo que o consumidor tem, que é uma apólice de seguro, na qual ele já colocou moeda corrente, para que possa ser tomada como um ativo do seu patrimônio. Esse ativo será lido por um outro fornecedor de garantias como uma possibilidade de servir de caução a um novo crédito. Qual o efeito positivo dessa operação? Nós ampliamos a possibilidade de concessão de crédito. Desde o [economista Joseph] Schumpeter e do [economista John Maynard] Keynes, o crédito veio para todo o funcionamento correto da economia. Sem crédito não tem economia. A demanda e o crédito são os dois pilares que compõem a decisão de investir. A parte plenamente positiva desse projeto de lei é que nós ampliamos o fornecimento de crédito.


Mas não há risco para o setor de seguros?

Todo o desenvolvimento é acompanhado, como na lei do Homem-Aranha, de grandes poderes e responsabilidades. Não tem como fugir dessa responsabilidade. Amplia-se o fornecedor de crédito, amplia-se a potencialidade de risco. Teremos que ser capazes de criar critérios avaliadores do risco. O concedente privado do crédito vai ter que ser capaz de desenvolver mecanismos adequados para ler se essa apólice de seguro, de fato, pode mesmo servir como uma garantia para sua concessão de crédito.

NIVALDO SOUZA

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