Entidade internacional alerta para risco de retrocesso na formação de condutores no Brasil
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AICEFOV envia ofício ao presidente Lula alertando que a proposta do Ministério dos Transportes para flexibilizar a formação de condutores — especialmente com instrutores autônomos sem supervisão — pode gerar retrocessos, ampliar desigualdades regulatórias e comprometer a segurança viária. Entenda os principais pontos
Portal do Trânsito, Mobilidade & Sustentabilidade
Por Mariana Czerwonka Publicado 21/11/2025 às 08h15

A discussão sobre a possível flexibilização do processo de formação de condutores no Brasil voltou a ganhar força com a manifestação formal da Associação Iberoamericana de Centros de Educação e Formação em Segurança Viária (AICEFOV). Em ofício encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta semana, a entidade expressa preocupação técnica com o projeto de resolução do Ministério dos Transportes — atualmente em análise após consulta pública encerrada em 2 de novembro — que pretende alterar de maneira profunda o atual modelo de obtenção da CNH.
A AICEFOV, que reúne 13 países ibero-americanos e representa instituições de referência em educação para o trânsito, considera que o Brasil possui hoje uma das legislações mais sólidas e equilibradas do mundo no campo da formação de condutores. Por isso, segundo a própria associação, a proposta apresentada pode significar um retrocesso preocupante, afastando o país das melhores práticas internacionais e abrindo espaço para distorções capazes de comprometer a segurança viária.
O ponto mais sensível: a criação da figura do instrutor autônomo
Entre os diversos pontos criticados pela AICEFOV, um se destaca com mais força: a possibilidade de atuação do instrutor autônomo sem a presença de mecanismos robustos de controle, padronização e supervisão. A entidade argumenta que, ao permitir que profissionais atuem fora do ambiente institucional das autoescolas — hoje chamadas Centros de Formação de Condutores (CFCs) — o país abre mão de garantias mínimas de qualidade, responsabilidade técnica e uniformidade pedagógica.
A preocupação não é nova. Desde que começaram a circular as primeiras informações sobre a proposta de flexibilização, especialistas têm alertado que a retirada da obrigatoriedade de formação em CFCs pode gerar um cenário caótico.
Em análise anterior, o especialista Celso Mariano, que acompanha o tema há décadas, já havia destacado que qualquer mudança deve preservar a espinha dorsal do processo formativo: conteúdo estruturado, progressão pedagógica, supervisão técnica e responsabilidade objetiva sobre o que é ensinado.
A manifestação da AICEFOV vai na mesma linha. O ofício enviada ao presidente reforça que a ausência de supervisão formal pode:
reduzir a qualidade do ensino, abrindo brechas para práticas sem critérios técnicos claros;
desconfigurar as etapas formativas, que hoje seguem uma sequência lógica de teoria, prática e avaliação;
fragilizar a responsabilidade técnica, hoje concentrada em instituições credenciadas e fiscalizadas;
transferir funções essenciais do Estado e dos CFCs para profissionais sem estrutura equivalente.
De acordo com a entidade, tratar esse ponto como “modernização” pode distorcer o verdadeiro sentido do processo. Não pode se confundir modernização, conforme ressaltado no documento, com desmonte.
Riscos para a segurança viária e para a regulação do setor
Outro trecho forte do ofício diz respeito aos impactos diretos na segurança viária. A AICEFOV aponta que o Brasil ainda vive números preocupantes de mortes no trânsito e que, portanto, deve-se tratar qualquer flexibilização com extrema cautela. Conforme a associação, reduzir exigências de formação sem garantir mecanismos equivalentes de controle pode ampliar o risco de sinistros.
Além disso, a entidade alerta para a criação de “assimetrías regulatorias entre los estados brasileños”, caso as mudanças avancem sem padronização nacional.
Na prática, isso significa que cada estado pode interpretar e aplicar as normas de maneira diferente, gerando insegurança jurídica e dificuldades no acompanhamento das estatísticas e no controle da qualidade.
Esse ponto dialoga diretamente com o que o Portal do Trânsito tem abordado em reportagens recentes: a fragmentação regulatória pode comprometer a própria lógica do Sistema Nacional de Trânsito, estruturado para garantir uniformidade e coerência entre as normas e procedimentos adotados em todo o país.
Reconhecimento ao modelo atual e alerta contra retrocessos
Curiosamente — e de forma rara em documentos desse tipo — o ofício reconhece abertamente que a legislação brasileira é referência internacional por equilibrar educação, engenharia e fiscalização. Esse reconhecimento reforça um ponto já levantado por especialistas: o Brasil conseguiu construir, ao longo de décadas, um modelo consistente, testado e reconhecido tecnicamente.
A preocupação, portanto, não é com mudanças em si, mas com a forma apressada e pouco estruturada como elas estão sendo propostas.
AICEFOV sugere debate amplo e oferece cooperação técnica
Como solução, a AICEFOV recomenda:
debate amplo, envolvendo especialistas, entidades de trânsito, instituições acadêmicas e representantes dos CFCs;
planejamento cuidadoso, com prazos realistas para qualquer transição;
implementação uniforme e segura, respeitando a diversidade regional, mas preservando padrões nacionais.
O ofício é assinado pelo presidente da associação, Enrique Lorca Sánchez, que também coloca a entidade à disposição para colaborar tecnicamente com o Brasil, oferecendo experiências assim como boas práticas adotadas pelos países ibero-americanos.
Um debate em curso — e que está longe de terminar
A manifestação da AICEFOV se soma à série de posicionamentos que têm surgido desde que o governo federal iniciou o debate sobre a flexibilização do processo de obtenção da CNH. Como o Portal do Trânsito vem acompanhando, esse é um dos temas mais sensíveis da agenda atual de mobilidade e segurança viária. Além disso, representa um divisor de águas para o futuro das autoescolas e para o próprio modelo de formação de condutores no país.
Enquanto o Ministério dos Transportes analisa as contribuições recebidas na consulta pública, cresce a expectativa para saber qual será o rumo escolhido pelo governo — e se ele estará alinhado ao que décadas de pesquisas, estatísticas e boas práticas recomendam.



